Tenho um amigo meu,que para além de ser um exemplo de vida e amor por ela,tenta tenazmente transmitir essa forma de estar aqueles que lhe estão próximos e nos quais,vá-se lá saber porquê me inclui.
Há dias,enviou-me um mail,relembrando-me um pensamento do Vitor Hugo(1805-1885): "Uma sociedade de Carneiros,acaba por gerar um governo de Lobos".
Saí de casa e não sei porquê a voz da maioria das pessoas soava-me a balidos,alguns bem angustiados e foi com essa estranha impressão que entrei no carro,dei à chave e me pus a caminho do trabalho..
Um impulso forte levou-me ao desvio e de repente,aí estava eu,frente ao mar,vendo pelas vidraças os inúmeros pontos brancos de que o vento forte de Noroeste era o responsável,enquanto a chuva caía inclemente e densa.
Olhei para o banco do passageiro,não estava lá o meu amigo Carlos e por isso, chamei o Vitor Hugo e perguntei-lhe se ele não me dava uns segundos.Atarefado(ia na página 780 daquilo que viriam a ser os Miseráveis),mas amável, lá mos concedeu e sem esconder o seu espanto pelo conforto do banco por comparação aos assentos das carruagens da sua velha Paris,lá deixou escapar; e então... , o que se passa?!
Olhei-o,remirei-o e disse-lhe: é a primeira vez que estou com um génio e estou um pouco perturbado ... .Génio?! perturbado?! , respondeu ele com um trejeito enigmático.Oh homem sou apenas o Vitor Hugo e estou completamente "arrasca" para acabar uma coisa que ando a escrever e cujo título ainda não me ocorreu e sabe? já vou p`ra aí na página 780.
Ganhei então coragem e perguntei-lhe: Quando você fez a citação que o meu amigo Carlos me enviou,já alguma vez tinha vindo ao futuro? Não Não disse ele, nunca me tinham convocado e por outro lado, como bem sabes estou tão atarefado... . Pois eu sei, lá com aquilo da página 780 não é? Pois disse ele, ignorando a minha interrupção e também ,deixa-me dizer-te,nos breves intervalos a que me concedo e olho para aqui,não vejo coisa suficiente para cá vir assim tantas vezes,embora este banco seja bem confortável.
Fez-se um silêncio,estávamos ambos a olhar pelas vidraças para os pontos brancos de espuma que o vento de Noroeste tornava cada vez maiores e numerosos. Foi ele a quebrá-lo,o silêncio evedentemente, para dizer: Já viste que o mar estácheio de Carneiros e que o vento é tão forte que uiva como uma Alcateia.
Entre um pestanejar olhei para o lado e ele tinha desaparecido.Com os génios é assim,nem podemos pestanejar.
Virei as costas aos Carneiros do mar e regressei ao rebanho que em terra se resguardava como podia, do vento que uivava e da chuva que caía. Liguei o rádio, uma voz impessoal (parecida com um balido), anunciava uma crise tão profunda,que o comentador de serviço proclamou: sim isto está realmente mau, o mundo parece ser um imenso rebanho a ser devorado por uma Alcateia. Quando ouvi isto , ocorreu-me que talvez o livro que o Vitor andava a escrever se pudesse chamar "Os Miseráveis".
Saí do carro, virei-me contra o vento e com as bátegas da chuva batendo fortes na minha cara, gritei bem alto; miseráveis,miseráveis,miseráveis, gosto de pensar que o Vitor ouviu.
Com a lã molhada,sequei-me,afiei os cornos,chamei quantos Carneiros conheço e vamos tentar morrer felizes,protegendo as nossas ovelhas com umas valentes cornadas nesses miseráveis lobos que por aí andam.
P.S. Embora de qualidade literária mais que duvidosa,dedico este texto ao meu amigo Carlos, ao seu By Pace (é assim que se escreve?),cuja única utilidade deve ser apenas a de transformar um coração tão grande, noutro ainda maior. Um abraço de Carneiro para Carneiro
2 comentários:
Está o máximo! por acaso sou peixe! já agora é um pacemaker!
Meu caro amigo e ilustre novo La Fontaine:
Gostei,gostei mesmo.Já o teu texto anterior,do melro e do abutre assenta que nem uma luva na cena inter(nacional).
Só tenho pena que o Vitor Hugo (e tu por tabela) tenha posto no governo lobos em vez de chacais.
É que tenho grande simpatia por lobos(os verdadeiros ) e detesto chacais.
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